Profª Kirla Anderson fala sobre a Cartilha “Como combater a misoginia e o discurso de ódio nas redes sociais”


Foto: Jornal Digital/Editorial 2025

 Por: Bruno Raiol


O repórter e redator Bruno Raiol, do Jornal Digital do NUPEC, entrevistou a professora doutora Kirla Korina Anderson Ferreira, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA). Em 2025, a professora lançou a cartilha Como combater a misoginia e o discurso de ódio nas redes sociais, voltada à conscientização e enfrentamento dessas práticas no ambiente digital.

Nesta entrevista, você confere a trajetória da pesquisadora e suas reflexões sobre os desafios enfrentados no combate à violência de gênero nas plataformas digitais, além dos caminhos que levaram à elaboração da cartilha.


JD – Olá, professora Kirla. É um prazer conversar com você. Nesta entrevista, vamos abordar seu trabalho com a cartilha Como combater a misoginia e o discurso de ódio nas redes sociais, além de conhecer um pouco mais sobre sua trajetória como pesquisadora e docente no IFPA – campus Belém. Nosso objetivo é compreender o que motivou a pesquisa e a escrita da cartilha, suas inspirações, o processo criativo e suas expectativas em relação ao público leitor. Para começarmos: como se deu o processo de pesquisa e quais foram as principais etapas desse trabalho?

Profª Kirla: O processo de pesquisa sobre o discurso de ódio contra as mulheres foi longo e se deu em várias etapas. Tudo começou com uma percepção que tive ao assistir a notícias na televisão, especialmente sobre casos que ocorreram nas redes sociais, nos quais as mulheres eram tanto vítimas quanto usuárias dessas plataformas. Sempre me chamou a atenção a forma como as notícias sobre as mulheres eram publicadas, assim como os comentários de algumas pessoas nas redes sociais.

Esses comentários muitas vezes tinham um tom chocante, buscando chamar a atenção, e frequentemente apresentavam uma ideia de culpabilização da vítima (mulher). Questões como "o que ela fez de errado?" ou afirmações do tipo "se estivesse em casa, isso não teria acontecido" eram recorrentes. Esse tipo de comentário sempre me chamou a atenção, tanto por ser uma usuária das redes sociais no meu dia a dia quanto por já ter estudado gênero há algum tempo. Essa inquietação foi o ponto de partida para minha pesquisa.

JD: Outras pessoas participaram da construção da cartilha?

Profª Kirla: Outras pessoas contribuíram para a construção da cartilha. Trata-se de uma obra coletiva que, como mencionei, me chamou a atenção ao observar o que acontecia nas redes sociais. A minha participação no Nupec despertou em mim a vontade de refletir sobre essa questão e, a partir disso, pensei em elaborar um projeto. Eu também considero que tive sorte, pois encontrei algumas pessoas que se identificaram com o tema e abraçaram a proposta de compreender o discurso de ódio nas redes sociais.

Assim, a cartilha é fruto dessa colaboração. Ela surgiu da contribuição do primeiro projeto que desenvolvi sobre discurso de ódio, o qual submeti a um edital da FAPESPA em 2023. Por questões burocráticas, esse edital não foi atendido na época, mas ficou acordado que ele retornaria em 2024. Nesse meio tempo, recebi alguns alunos da graduação em História e Geografia que se interessaram por esse trabalho e decidiram participar. Juntos, começamos a entender o discurso de ódio contra as mulheres nas redes sociais. Esse trabalho foi se desmembrando e a cartilha é resultado desse desdobramento, que tem como objetivo identificar discursos de ódio nos comentários, bem como abordar qualquer assunto que tenha as mulheres como foco nas notícias que aparecem nas redes sociais.

JD: O que levou a senhora a escrever a cartilha e quais foram suas principais inspirações?

Profª Kirla: O que me levou a escrever a cartilha foi, em primeiro lugar, uma cobrança que temos nos editais para relacionar o tema da nossa pesquisa com a extensão. A ideia da cartilha surgiu das reuniões do projeto de pesquisa, onde discutíamos como poderíamos tornar público o resultado do que estávamos pesquisando e qual relação poderíamos estabelecer entre nossa pesquisa e o ensino. Assim, a cartilha foi fruto dessas discussões que realizamos em nosso projeto.

JD: Professora, como é o seu processo de escrita?

Profª Kirla: Sabe que eu nunca tinha parado para pensar nisso? Hahaha. O meu processo de escrita é algo que não consigo desassociar da leitura do material, por exemplo. Acredito que envolve a leitura de diversos conteúdos e a observação do que acontece ao meu redor. Sou cientista social, então muitas vezes não consigo desvincular o que escuto nas conversas – mesmo que não sejam comigo – da minha análise. Eu me controlo para não participar aleatoriamente, mas observo o que as pessoas falam e em que confiam. Faço uma análise e relaciono com outras coisas que já li.

O meu processo de escrita parte muito dessa observação. Nas redes sociais, percebo que a escrita está muito ligada à percepção e ao envolvimento com o tema que estou observando. A cartilha surge dessa obrigação da pesquisa, um dos objetivos que coloquei, mas também da necessidade de dialogar a pesquisa com o ensino. Estamos em um momento histórico em que é necessário mostrar e discutir com os alunos a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio.

Ainda sobre a pergunta, meu processo de escrita é assim: antes eu esperava pensar em tudo para escrever, mas agora não. Quando surge uma ideia, gosto de andar sempre com um caderninho para anotar ou uso muito o celular. O que vejo de interessante na internet eu salvo e depois começo a escrever, traduzindo aquilo para minhas palavras e relacionando com coisas que já li ou vi na televisão. Gosto de trabalhar com isso, relacionando o que ouço e vejo na internet ou em filmes.

A escrita para mim não é linear; não começo pela introdução do trabalho, desenvolvo e chego nas considerações. Geralmente, ela nasce do coração, pelos resultados. Acredito ser importante criar um objetivo de pesquisa, pensar no propósito do que estou escrevendo. Às vezes é uma leitura do material e do que eu realmente quero escrever: "Quero escrever sobre isso agora".

O processo de produção da cartilha envolve organizar e observar o que meus alunos já produziram em seus trabalhos. O papel do orientador também é identificar as linhas comuns entre os trabalhos para um esforço coletivo como no caso da cartilha. Vou anotando tudo e depois coloco num único documento. O que estava escrito no celular ou no caderno eu passo para o computador; sou da era do analógico e começo escrevendo à mão antes de digitar.

Depois tenho um roteiro pronto, respiro por um dia sem olhar para aquilo e volto para corrigir. Meu processo de escrita não vem todo de uma vez; ele se desenvolve aos poucos. A parte fundamental é começar a escrever porque assim consigo visualizar o texto e onde quero chegar com ele. Assim que começo a escrever – nem que seja um parágrafo ou uma linha – já estou no caminho.

JD: Como a senhora recebe e utiliza o feedback das pessoas que lêem o seu trabalho?

Profª Kirla: Não sei se já recebi feedback de muitos leitores, mas tenho recebido muitas mensagens de pessoas interessadas em conhecer o material e em compartilhá-lo. Ouvi também que a linguagem está de fácil compreensão, que era essa a proposta da cartilha: ser algo acessível, pois não queria que fosse uma linguagem acadêmica. Além da cartilha, também publicamos um livro, um eBook chamado Desconectando Nós, que contém o mesmo conteúdo da cartilha, mas já está numa linguagem acadêmica, pois são artigos. Tentamos traduzir isso para uma linguagem mais acessível para atingir todos os públicos, que é o caso da cartilha.

JD: Qual a sua mensagem principal com a publicação da cartilha?

Profª Kirla: Eu diria que são mensagens; não dá para afirmar que é apenas uma, pois há uma questão a ser considerada: atentar para os limites daquilo que comunicamos nas redes sociais. Antes de observar o que estamos comunicando, também é interessante pensar sobre que tipo de conteúdo estamos consumindo nas redes sociais. Esses conteúdos, por exemplo, podem ser falaciosos ou disseminar ódio, e muitas vezes não percebemos isso. Portanto, isso exige um maior cuidado em relação ao que estamos consumindo.

Estava comentando com a Lívia (que é minha aluna do curso de Licenciatura em História) que isso chama a atenção para aquilo que estamos dando visibilidade nas redes sociais. Quando busco uma matéria, uma notícia, ou quando compartilho e faço comentários, estou dando visibilidade para aquilo. Assim, ao pensarmos em ser usuários das redes sociais, precisamos revisar como estamos utilizando essas plataformas.

Outra mensagem importante é refletir sobre qual espaço as minorias sociais têm nesse debate público nas redes sociais. Temos visto que ultimamente elas não têm recebido um lugar privilegiado, pois muitas vezes são silenciadas. Quando observamos mulheres vítimas de ataques de ódio, misoginia e racismo, parece que o debate público não permite espaço para outras vozes. Portanto, precisamos rever os limites disso.

Além disso, outra ideia que é proposta na cartilha é a importância da checagem das informações que recebemos. Muitas pessoas recebem conteúdos e não param para pensar no que estão recebendo; apenas compartilham. Precisamos considerar isso e os impactos positivos e negativos que isso pode ter nos limites do discurso de ódio e da liberdade de expressão, bem como a forma como as minorias participam desses debates públicos. Essas são algumas das reflexões e os diversos impactos que poderíamos destacar.

JD: Quais são os temas mais importantes da sua cartilha?

Profª Kirla: Glossário da Cartilha: são pontos importantes que envolvem o discurso de ódio e suas consequências nas redes sociais. Um aspecto que pensei recentemente é o impacto político. Não se trata apenas de expressar desgosto, mas também de reconhecer que isso tem um impacto na cena pública, onde muitas vezes não somos bem-vindos para discutir. Quando observamos a violência política de gênero contra parlamentares, notamos que, geralmente, são mulheres, incluindo mulheres negras, cis e transgêneros. Ao refletir sobre esse impacto, percebo que há espaços públicos onde essas discussões não são bem-vindas.

Acredito que essa é uma das consequências e um ponto importante para pensarmos. Também é necessário trabalharmos para mostrar nosso apoio à regulamentação das redes sociais e à regulamentação do conteúdo de ódio, que atualmente está sendo negligenciada. Há uma resistência em responsabilizar as plataformas por publicarem links que disseminam esse tipo de conteúdo, pois isso envolve questões econômicas que não se conectam diretamente com o tema da cartilha.

O discurso de ódio que ocorre nesses ambientes também se torna uma mercadoria, gerando retorno financeiro para aqueles que o promovem em busca de engajamento e afins. Existem estudos que mostram isso: muitas vezes, essas ações produzem lucro às custas de outras pessoas, inclusive colocando em risco suas vidas.

JD: O que a senhora espera que os leitores sintam com a leitura da cartilha?

Profª Kirla: Eu destacaria a importância da checagem, não apenas em relação à verificação de informações, mas também em relação às promoções. É fundamental ressaltar que existe uma diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão. Quando ultrapassamos os limites da liberdade de expressão e entramos no terreno do discurso de ódio, isso fere toda a questão dos direitos humanos na qual estamos inseridos.

JD: Como a senhora utiliza as redes sociais para divulgar o seu trabalho?

Profª Kirla: Geralmente, Bruno, eu utilizo as redes do NUPEC, e isso é algo que preciso trabalhar, né? Eu não gosto de aparecer, e digo isso para vocês. Contudo, o conteúdo precisa circular, então tenho aprendido no NUPEC. Tenho plena consciência do meu lugar; não sou a detentora da verdade, estou aqui para aprender junto com todos. No NUPEC, aprendi que é necessário circular as informações e compartilhar com a sociedade os resultados das nossas pesquisas, que são sempre de utilidade pública. Acredito que as pessoas do NUPEC são fundamentais para mim.

JD: Muito obrigado, professsora!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Alimentação escolar no IFPA: qual o pensamento de quem ficou de fora?

Nupec abre seleção para o Projeto de Extensão "Jornal Digital" no IFPA Campus Belém