Jornal Digital para quê?

 Mural da Imprensa na série Evolução do Livro, John W. Alexander. Biblioteca do Congresso Thomas Jefferson Building, Washington, D.C. Carol M. Highsmith. Divisão de Gravuras e Fotografias.


Como você vai reagir quando receber a seguinte notícia: "Sonda espacial identifica existência de vida fora da Terra".
 
É uma notícia, no mínimo, bastante surpreendente. Certamente você ficará curioso/a, estranhará e procurará uma fonte segura para se certificar de que não está sendo enganado/a. 

Mas mesmo diante da confirmação por um canal de grande de mídia, com o qual você se sente muito familiarizado/a você ainda vai precisar que "alguém" não deixe dúvidas de que a notícia de que há vida fora da Terra é real e verdadeira. Algumas pessoas, por exemplo, só acreditam que a notícia é verdadeira se "sair" no Jornal Nacional ou estiver na capa da Folha de São Paulo.

Por alguns dias você tratará da notícia em sua escola, nos encontros familiares, com seus amigos, no trabalho... e, convenientemente, puxará conversa dizendo "éééé, não estamos mais sozinhos". Com o tempo, e a sucessão de informações que uma notícia dessas traria, o assunto vai perdendo seu fôlego e passa a fazer parte do nosso cotidiano - vai ver em algumas semanas tem até chaveiro com "ETs" imaginários sendo vendido na primeira barraquinha de esquina. 

Pois bem. Agora faça um exercício mental e imagine-se no lugar daqueles que no passado viveram experiência semelhante. 

Como as pessoas se sentiram nos anos 1960 recebendo a notícia de que a humanidade não só tinha viajado ao espaço, mas pisado na lua? E o mais surpreendente disso tudo: descobrir o "óbvio(?)", que a Terra é azul (e redonda para não deixar dúvidas...)

E como se sentiram aquelas pessoas que receberam a notícia da descoberta do continente americano nos anos 1500? Teriam elas pensado "não estamos mais sozinhos"; desacreditado; ido em busca de explicações em algum versículo da Bíblia?

Há uma farta literatura, histórica e midiática, que nos dão conta deste sentimento que notícias importantes ensejam. É um sentimento de comunidade. De que pertencemos a uma comunidade que partilha dos mesmos imaginários e carrega consigo experiências e expectativas coletivas.

Mas sejam quais forem as notícias que nos afetam coletivamente, elas não ganhariam o status de importantes e relevantes para uma coletividade sem que o canal que seus indivíduos utilizam para recebê-la tenha a legitimidade para tal.

A existência dos jornais está diretamente relacionada a este fenômeno, na medida em que são estes instrumentos de reconhecimento da notícia como fato que a tornam significativa para a sociedade e seus indivíduos. 

É bom lembrar que o primeiro jornal de que se tem notícia surgiu em Roma em 59 a. C. e se chamava Acta Diurna. Ele nasceu do desejo de Júlio César de informar seus súditos sobre os acontecimentos sociais e políticos e divulgar eventos programados para cidades próximas. O jornal era esculpido em metal ou pedra e afixados em locais públicos. 

Na China, as primeiras folhas de notícias produzidas pelo governo, chamadas Dibao, circularam entre os oficiais da corte durante o final da dinastia Han (séculos II e III d.C.). Entre 713 e 734, o Kaiyuan Za Bao ("Boletim da Corte") da dinastia chinesa Tang publicava suas notícias em papiros de seda e era lido por funcionários do governo. 

Em 1447, a prensa, inventada por Johannes Gutenberg inaugurou a era do jornal impresso, que só viria a surgir na Alemanha, em 1605, através dos Avisos de Notícias de Nuremberg. Nas Américas, por sua vez, o Diario de Noticias Sobresalientes de Lima publica sua primeira edição em 1700, um século antes da Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado pela imprensa brasileira que teve sua primeira edição em 10 de setembro de 1808.

Atualmente, muitos desses jornais sequer existem, mas todos eles inauguraram uma forma de comunicar acontecimentos que foram emprestadas e aperfeiçoadas a ponto de hoje a informação ter se globalizado.

Mas algo paradoxal atravessa este histórico: em que pese a invenção da imprensa e da democratização da informação, cada vez mais nos sentimos mais desconfiados diante da notícia. Talvez por que ela já não pertence mais apenas as grandes instituições de mídia que fundaram um método de coleta e divulgação da informação, mas certamente porque se informação é poder, quem domina tais técnicas está dotado de capacidades para criar notícias em benefício de seus próprios interesses ou de seus grupos.

Assim, se num passado recebíamos uma informação por meio de jornais, da televisão ou do rádio, cada um de nós e capaz também de produzi-la, inventá-la, transformá-la, o que nos leva ao perigoso terreno da desinformação.

Quando perguntamos "Jornal Digital para quê?" é no sentido de provocar uma reflexão sobre o valor e significado que damos a esta nova modalidade de compartilhar notícias.

No caso do Jornal Digital do Núcleo de Pesquisa em Educação e Cibercultura, temos a pretensão de oferecer um espaço de valorização da escrita e da produção de conteúdo buscando demonstrar que este processo deve ser feito em benefício e respeito a comunidade de leitores e "seguidores" (essa palavra terrível que nos faz parecer líderes de seitas messiânicas) de nossas redes sociodigitais. Mas também, em reverência a arte de informar, tão cara ao jornalismo profissional que não nos atrevemos a sequer pensar que fazemos.

O Jornal Digital, portanto, antes um projeto de extensão experimental que alcançou mais de 2 mil leitores em seu blog, provou-se necessário e legítimo para tratar de assuntos atinentes a comunidade estudantil do Instituto Federal do Pará, retratando acontecimentos, sentimentos, experiências, denúncias, vidas que somadas provam que a existência que importa não está fora do universo, mas aqui, devendo ser partilhada para que no futuro tenhamos boas histórias para contar.

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