Brasileiríssimo
Fonte: Pexels |
Por: Mauro Lopes Leal
Ano: 2023.
Local: uma sala de aula do ensino médio.
A professora traz várias apostilas e, com entusiasmo, fala: hoje vamos ler um conto de um famoso escritor brasileiro, Machado de Assis. Um aluno levanta o braço e pergunta: quem? A turma toda gargalha.
Vamos analisar a cena. Mas antes de tudo, isentaremos o aluno de qualquer culpabilidade com a sua “questão”? O leitor pode discordar e não irei me opor. Adianto apenas que, como esta é uma crônica, de natureza analítica/argumentativa, reafirmo o caráter puramente dialógico da mesma, na qual expresso apenas e humildemente um ponto de vista. E por que o aluno não possui culpa? “Ele não quer ler, não quer introduzir-se nos campos literários, não quer conhecer, não tem curiosidade”. Sim, tal observação, feita por algum leitor mais enérgico do JD, tem relativa fundamentação, mas não é este o ponto que busco defender aqui. Em verdade, posso até reafirmar a inocência de um aluno que faz tal pergunta. E daqui quero iniciar a minha observação, que pode ser contestada a todo momento e por qualquer um. Aceito críticas e reavaliações. Só não imposições raivosas.
Bem, vejamos. Imaginemos nosso aluno, o supracitado, nascido em terras brasileiras. Rechonchudo, energético, sanguíneo. Pulmões fortes, braços rígidos. Alegria da família. Pode ser o primeiro. Outros virão, mas ele é o primeiro, por isso, cercado de uma maior atenção. Nasceu em família média: nem farta, nem simplória. Cresce em força e sabedoria. E aos três anos “ganha” seu primeiro celular. Entretem-se com as imagens, os sons, os movimentos diante dos olhos, que dançam de um lado para o outro. Em silêncio, o pequeno entretem-se e deixa os adultos em paz revigorante. O menino cresce e, com ele, o tempo no aparelho, que agora é um modelo mais sofisticado. No mundo virtual, no qual o garoto é inserido, mais diversão e sedução. Ali, naquele aparelho, conhecerá coisas novas, algumas boas, outras perigosas. Mas isto não é uma barreira. Na verdade, torna-se ainda mais atrativo.
O nosso menino vai pela primeira vez a escola. Livros didáticos são oferecidos. Seria bom lê-los, mas... o Facebook, o Instagram são fascinantes. Os livros podem ficar para depois. Agora, a urgência está nas trocas de mensagens, marcações, likes. Eles precisam da avaliação do nosso garoto. Eles quem? Eles, aqueles que dançam e sapateiam em frente às telas. Nosso menino acha tudo muito divertido. E as horas passam rápido diante da tela do celular. Tão rápido que dias viram meses, estes viram anos. Nosso agora rapaz, tornou-se um ativista das mídias digitais, um militante ferrenho dos aplicativos de interação social. Nosso rapaz é agora, oficialmente, um usuário. Conhece algumas frases de Platão. Sabe em qual ano nasceu Gandhi. Tem conhecimento de como se produz slime caseiro. Fala, sem titubear, o tamanho do pé de um jogador de futebol chamado Neymar, assim como conhece os detalhes da separação de um músico chamado Belo. E nosso rapaz aposta que tudo não passou de marketing.
Enfim, será este nosso jovem que, em uma manhã de quinta, levantará o braço para perguntar: quem? Falharam os pais? Falhou a escola? Falharam os professores? Questões erradas. Ninguém falhou pois, de fato, ninguém tentou. Os rumos da nossa sociedade, especificamente brasileira, direcionam-se para a futilidade do imagético, para a banalidade do visual, da aparência destituída de qualquer profundidade. É uma sociedade motivada pelo aspecto externo das coisas e superficialidade das questões, importando, à maioria, aquilo que o sujeito aparenta ser. Alguém pode argumentar: mas não sou obrigado a saber quem é esse tal de Assis. Sim, você não é, de fato. Assim como você não é obrigado a olhar alguém remexendo latas de lixo em busca de comida, bem como também não é compelido a dar dinheiro a uma pessoa em situação de rua. Você também pode se omitir de opinar sobre a guerra na Ucrânia ou manter-se em cima do muro sobre a PL 1904/24. Alguém morreu no hospital por falta de leitos? Isso nada tem relação direta com a sua pessoa. Se há desigualdade, impunidade, desvio da verba da merenda escolar, assasinato de lideranças sociais... nada disso é com você e para você: brasileiríssimo.
Enfim, essa crônica nunca foi sobre Machado de Assis.
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