A morte em três atos
Por: Barbara Duarte
No início, era apenas eu. Eu estava em mim e vivia para mim. Eu e ele éramos um estado morno e leve, uma satisfação. E então, eu senti prazer, e achei que fosse ele, a fonte daquilo. Saí de mim para me viciar na sua presença. Aquela vontade tornou-se cada vez mais exigente. Pouco a pouco, ela consumia as horas e os dias, em ideações sôfregas, produtos da mente superexcitada, que fazia escorrer no corpo as sensações do prazer. Um desejo incontrolável e avassalador para a consumação em ato das expectativas criadas. Então, eu me vi presa, já não dispunha de mim. Era uma vontade de posse: eu o queria para mim, publicamente, para ostentar a conquista, ao mesmo tempo em que exigia estar no centro de suas atenções romântico-afetivas. Mas não era suficiente, pois ele reluzia, encantava nos gestos e nas palavras. Ele era o que eu queria em mim. Foi então que ele se tornou necessário. Já não me sentia fora dele, mas, como sua continuidade indistinguível. Sentia que precisava dele aqui dentro. E então, passei a devorar. O corpo fagocitava, visceral e sanguíneo, o pensamento e a substância dele. Agora eram dois corpos em um, indistintos, que se engoliam ávidos até consumirem-se, um ao outro. Então, eu perdi o corpo. Autofagia brutal, matou o corpo único e original. Matou a si mesmo. E a mente, inebriada e inconsciente, não reconheceu a dor. O resto da matéria e substância jaz sob os escombros do eu. Foi então que recuperei a memória.
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