Matinta Perera
Por: Mauro Lopes Leal
Ela avançou sobre a noite, arrastando seus farrapos sobre as poças de água que refletiam uma
lua vermelha, singular. Cães ladravam perto dos postes de luzes fragmentadas, farejando os
passos daquela mulher que se confundia com as próprias sombras, tornando-se também
elemento essencial de uma paisagem silenciosa, porém urbana.
As casas, sonolentas, guardavam dentro de si trabalhadores fatigados, exaustos pelo serviço e
exploração. Não havia tempo para sonho, devaneio, apenas repouso tumular, posto que a vida
se tornou uma máquina, que range, oscila fumegante e produz de forma incansável.
“Durmam”, sussurra a mulher de longa cabeleira negra. E suas unhas arranham os muros, os
portões de ferro. Seus pés, desnudos, alternam-se ágeis, sombrios, entre vielas que traduzem
uma soturna e estranha esperança. De quê? Impossível saber.
Não há tempo para refletir, não há meios de se libertar. Daqui a meia hora a turba começará a
se movimentar, enferma, dócil, pronta para mais um dia de fadigas cotidianas, promessas que,
sussurradas ao ouvido, perdem sua essência. O que resta para nós? Perguntam os
desesperados.
“Resta o óbvio: a finitude”, responde a mulher que agora gargalha, filha legítima da noite. Ela
vislumbra ao longe faíscas rubras que rompem a escuridão. “É chegada a hora”, pensa. E na
próxima casa ela vocifera a quem pode ouvi-la: “Abram. Abram!”. A porta se abre lentamente
e a cachaça e o tabaco são trocados por café e pão. A mulher se afasta, fantasmagórica. E a
multidão de trabalhadores, estudantes, boceja estrelas desamparadas, mas auspiciosas.
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