Inversão narcísica

Fonte: Extra Classe


 Por: Bárbara Duarte


Denise andava ensimesmada, mergulhada em pensamentos intermitentes, ideias fixas, sem conseguir achar uma solução. Não ia a lugar nenhum, pois nem sabia de onde partira. Apenas remoía um fato nítido e tão forte quanto o abalo de uma exposição pública: ela não conseguia olhar o seu reflexo no espelho. Comparava essa sensação ao dia em que a sua calça rasgou enquanto descia de um ônibus lotado.

No ônibus, Denise não conseguia disfarçar o olhar admirado em direção a dois estudantes de medicina de uma faculdade pública. A moça, uma jovem de beleza invulgar, olhar altivo e vivaz, conversava animadamente com seu colega, de igual desenvoltura. Ambos perceberam os pensamentos inconfessáveis de Denise, taciturna e acabrunhada, deixando-se trair por sentimentos mal contidos. O som metálico do peso de sua bolsa despencando no chão a despertou do torpor da atração que aquelas duas figuras lhe provocaram e, num átimo, ela juntou seus pertences e saiu atordoada do ônibus, quase correndo, enquanto ouvia risadas abafadas atrás de si.

Tentou se recompor, levantou a fronte. Em vão. Ao chegar em casa, Denise não conseguia encarar o espelho, não podia olhar nos próprios olhos. Ela odiava a ideia de fugir. Mas conseguiria abandonar a insegurança? Buscava meios para evitar a si mesma. Mas como fugir de si?

Em meio àquela desordem, só conseguia identificar um fato objetivo: sentia vergonha. Por quê? Seria o peso da vida? Seria o sentimento de torpor, um estado do qual podemos entrar e sair como se entra e sai de uma roupa? Pensava que os outros também sentiam o mesmo, mas, isso realmente importa?

A cada pergunta, Denise migrava rumo a domínios mais íntimos, e enquanto ela passava pelo que não queria ver, também tocava no que tinha de mais particular. Ao sentir cada pedaço, deparou-se com um lago escuro e profundo. Aproximando-se da massa de água compacta e turva, cuja superfície cintilava qual lâmina prateada, ela viu o espelho de si.

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