Vestibular

Fonte: Agência Brasil



 Por: Mauro Lopes Leal


Na sociedade atual, escuta-se muito uma expressão que, pessoalmente, compreendo como execrável: “Ele/ela venceu na vida!”. Se pararmos para refletir, de forma não passiva, perguntamos, com uma voz interna inquieta e desconfortável: “Mas que diabos é vencer na vida?”. Alguns dirão, obviamente, que tornar-se um vencedor em nosso mundo capitalista é acumular bens, adornar-se com produtos e vestimentas de alto valor, possuir imóveis em regiões paradisíacas etc., etc. e etc. Tal visão não poderia ser outra, uma vez que fazemos parte de um grupo de animais ao qual é imposto como maior meta (e talvez a única, para muitos) a do enriquecimento. E toda a nossa organização política, cultural, educacional, dentre outras, apregoa tal imposição.

As fórmulas para tanto são inúmeras. Sonhamos com uma mudança brusca e imediata de vida. Dormir pobre e acordar rico. É o que chamo de Síndrome de Peter Parker, a picada da aranha. No nosso caso, ao contrário de poderes, queremos cifras e mais cifras em nossa conta bancária, porque fazemos uma livre associação da riqueza com a ideia de felicidade. Se você quiser também pode chamar de Síndrome de Uma linda mulher, falo da personagem interpretada por Julia Roberts. A ideia primordial é sermos capazes de efetuar uma guinada de 180 graus na vida, abandonar de vez o ônibus abarrotado de pessoas suadas e dirigir sua própria Ferrari. Na Almirante Barroso? Não, claro, nas ruas de Paris, Veneza! Sonhar não é pecado e não se cobra taxa, ainda. Mas fora do âmbito do sonho, eis a realidade: a labuta diária, o esforço, a esperteza (por que não?), a insistência, o não desistir (a nós, não filhos do Elon Musk, não é permitido o luxo da desistência).

Neste sentido, inserido neste esforço cotidiano está o estudo. É conhecido que poucos ficaram abastados materialmente com a educação, não vou mentir. Contudo, o conhecimento ainda é, para muitos, felizmente, a porta de saída de uma vida difícil, permeada de percalços que afligem a existência e embargam sonhos, tornando a existência um fardo. O conhecimento tem a força de libertar dos mais diferentes grilhões, e aqui não estamos mais falando somente de pobreza, mas também da ignorância. Toda busca por conhecimento já se afirma como um ganho, uma conquista. Nada que se aprende é em vão.

Dito isto, lembro que estamos à porta de mais um resultado de vestibular e para aqueles que se inscreveram há somente a angustiante espera. O que precisava ser feito, já o foi. Agora é a realização, ou não, do ingresso e da conquista da tão almejada vaga na universidade. Para muitos alunos não é somente a aquisição de um título, o de universitário/a, mas a possibilidade de libertação e alcance de lugares e posições antes vetados. Mas relembro agora o romance de Franz Kafka, O Processo, refiro-me a um trecho específico, no qual o personagem principal, Joseph K, viu-se impossibilitado de adentrar em determinado espaço (Para os curiosos, o fragmento é conhecido como “Diante da lei”). A relação que podemos estabelecer entre o romance e o vestibular é o fato de que a entrada parece inacessível, quase impossível, mas as portas estão lá, aguardando serem abertas e transpostas. Exige-se esforço? Sem dúvida. É necessário acreditar em si mesmo? Inquestionavelmente.

Aos que conseguirem entrar na universidade, parabéns! Lembrando-se apenas, e eis uma armadilha deste mundo capitalista contemporâneo, de que o conhecimento não deve ser somente técnico, mas também reflexivo e especialmente crítico. Do contrário o vazio existencial permanece, seja ao graduando, ao mestre ou ao doutor. Aos que não obtiverem êxito, indague-se, interrogue-se, questione-se. Talvez nesse perguntar a si mesmo você encontre respostas interessantes e profundas sobre a sua jornada no mundo.  Termino esta crônica enfatizando que não existem vencedores e perdedores nos moldes forjados pelo sistema capitalista. Há somente escravidão (na sua forma moderna) e caminhos concretos e diversos de resistência, nada mais. 

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