A mosca

Fonte: SBM

 

Por: Mauro Lopes Leal


Uma das disciplinas que mais gosto de ministrar é Estética, ao lado de Ética e Política. Mas a primeira tem o seu charme, uma sedução particular. Ora, falar sobre a arte, a importância do artista e a sua denúncia social, dentre outros aspectos, é algo agradável, além de salutar. Juntamos, em um apetitoso bolo de três andares, variados sabores, de múltiplas cores. Assim vejo a Estética, a qual se encontra em todos os lugares que vamos, e nos ambientes em que estamos. Está ali, naquele cachorro que passa com um osso entre os dentes, está no ônibus sucateado, na rua esburacada, na fila do banco, no idoso que tenta atravessar a rua. Está, inclusive, nas coisas que nos desagradam mais incisivamente. 

Foi a esta conclusão que cheguei, certa vez, em um almoço com outros professores. A comida, pescada frita, acabava de ser posta na mesa. Atacávamos. Subitamente, como não poderia deixar de ser, uma mosca apareceu. Pousou no peixe diante dos olhares nauseados dos meus colegas. “Credo”, “xô, xô!”, “mata logo!”. Vários braços golpearam. A professora Pietra, de português, sentiu uma repulsa indescritível. “Ela pousou aqui, aqui! Vamos jogar fora essa parte!”. Voltamos a comer. O professor Ronaldo, de história, falava sobre carros. Queria vender o seu, ano 93. Não conseguiu concluir sua propaganda, pois a mesma mosca sobrevoou o peixe. Mãos furiosas tentaram acertar o inseto. Para não me sentir excluído do grupo, também ensaiei uns golpes, desferidos aleatoriamente, pois sabia que era um esforço inútil: alguém me falou que não adiantava golpear moscas, carapanãs ou outros insetos similares, pois o ar deslocado pela palma da mão ajuda o pequeno ser a escapar. “Bicho nojento” falou Carolina, nossa coordenadora pedagógica.  

Serviram também o feijão e o arroz. Além da salada e da farofa. “Cuidado com a bicha!”, alertou Pietra. O aviso não foi sem propósito, pois dali a uns instantes, a mosca surgiu novamente. Ronaldo, já sem paciência, apanhou um pano e desferiu diversos ataques, um dos quais teve êxito. Meu colega comemorou como um colegial. “Viram, viram, eu acertei! Podemos comer em paz agora!”. Todos concordaram aliviados.  

Neste momento, como em um teatro exaustivamente ensaiado, adentrou no ambiente uma borboleta azul, que pousou na farinheira. “Ah, que linda!”, exclamou Pietra, com um tom de voz apaixonado. “É sinal de sorte!”, acrescentou Ronaldo, e todos concordaram. “Estética!”, pensei. “Uns tem a felicidade de nascer borboletas, outros, moscas!”. E voltei-me para o peixe, que não era nem feio e nem bonito, mas delicioso! 

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