Professor Wallace Pantoja conversa com o Jornal Digital sobre os desafios e os objetivos do Projeto “A Cidade no Beco da Luz”

Fonte: Editorial/Jornal Digital


 Por: Jaqueline Barros e Charles da Paixão


     Em conversa com Jaqueline Barros e Charles da Paixão, membros do coletivo JD, o Professor Wallace Pantoja discutiu o projeto “A Cidade no Beco da Luz” falando sobre a sua inspiração, objetivos e desafios à frente do projeto que visa pesquisar as experiências das travestis em Belém, particularmente no contexto do trabalho noturno e das pressões sociais. Wallace, que é Professor de Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará e coordena o Núcleo de Gênero e Diversidade (NEGED) do IFPA Campus Belém, atua no campo de geocartografias do corpo e subjetividades, e também em pautas LGBTQIAPN+ e interseccionalidades, compartilha conosco sua jornada pessoal e as dificuldades enfrentadas na condução de pesquisas com comunidades marginalizadas.


JD: Boa tarde professor Wallace, agradeço por reservar um tempo para a entrevista. É uma honra poder conversar com o senhor sobre o trabalho que está desenvolvendo. Preparamos algumas questões para guiar nossa conversa sobre o projeto. 

JD: O que te inspirou a criar o projeto “A Cidade no Beco da Luz’’?

Prof. Wallace: O que me inspirou foi um conjunto de fatores. O meu trabalho em geografia sempre esteve ligado à reflexão sobre as experiências vividas, dinâmicas corporais e a relação com o espaço geográfico de um ponto de vista subjetivo, simbólico e emocional. Por razões diversas, a gente não tem muito esse debate dentro da geografia amazônica. A geografia amazônica é formada numa escola ou teorético-positivista, ou marxista, que convergiram para como o formato da geografia paraense se dá. Então não tinha espaço para pensar o vivido pelo menos nesse nível das experiências corporais, das dimensões fenomenológicas e das subjetividades. Isso me faz trilhar essa geografia por muito tempo. Mas nos últimos anos eu também saí do armário, embora fosse talvez muito evidente para as pessoas, para quem vive a situação de dentro, sempre é um risco falar abertamente. Você não sabe se é seu emprego, como as pessoas vão se relacionar contigo, se isso vai virar um tipo de alvo, ou seja, você vai passar a ser reduzido à sua orientação sexual, quando isso só é um elemento da tua multiplicidade de vida. Quando eu chego aqui no IFPA, em 2020, depois do doutorado, eu me defronto com uma estrutura que aparentemente, você tem uma tranquilidade aceitável. Então ninguém vai te perseguir por você ser LGBT. Eu começo a perceber que existe uma respeitabilidade, as pessoas realmente me tratam com respeito. E mesmo eu falando com tranquilidade sobre ser LGBT, começo a notar que a estrutura institucional encaminha o que a Sarah Ahmed chama de um tipo de coordenada geográfica como pressão sobre os corpos, não tanto a coordenada geográfica como pontos cardeais ou sistemas de referência, mas um conjunto de linhas de pressão que encaminham corpos para certos lugares. E a depender da sua orientação sexual, da sua cor, da sua condição de classe social, do seu gênero, isso é definido. Mais do que isso, eu também começo a perceber que você tem pouca diversidade dentro da estrutura do IFPA. Em termos de estudantes, por exemplo, a gente quase não tem estudantes indígenas. A gente tem poucos professores ou professoras, que sendo LGBTs fazem disso uma linha de reflexão, porque aí é importante dizer pra vocês que eu começo a entender como toca a instituição. Não é mais proibitivo você ser LGBT, porque somos muitos. E não dá mais pra varrer a gente pra baixo do tapete. Então, se não dá pra varrer pra baixo do tapete, cria-se silenciosamente e institucionalmente, uma série de coordenadas, forças e linhas de pressão sobre os corpos para encaminhá-los para aquilo que acredita-se ser aceitável dentro dessa instituição. E nesse universo todo, eu comecei a perceber que usar o termo bicha passa a ser ofensivo, entre professores você pode ser homossexual, mas não é legal você transformar isso numa bandeira política, de pesquisa e de ensino. Isso me levou a pensar muito sobre isso, sobre a questão das reflexões LGBTs e, juntamente com a professora Natália Cavalcanti e outros professores e professoras, sobretudo, não só no IFPA Belém, mas em outros campi, começamos a encampar a ideia de construir um Núcleo de Gênero e Diversidade (NEGED), é no NEGED que surge o projeto com as travestis. Saindo aqui do IFPA, atravessando o muro na Timbó, à noite vocês já vão ver meninas trabalhando na esquina. Essas travestis não estão ali porque decidiram. Existe um ciclo de violência que é muito difícil você, de fora, sentir, porque elas sentem ininterruptamente. Eu comecei a ver que é só um muro, do ponto de vista material, que separa as mulheres que estão se prostituindo aqui na Timbó, ao lado do IFPA, e o IFPA como instituição pública federal, em tese aberta para a comunidade. No entanto, não é só o muro material, é uma série de labirintos geo simbólicos, simbolicamente constituídos, que fazem com que seja quase impossível para elas o IFPA. É um muro a poucos metros. Mas, do ponto de vista concreto, é do outro lado do mundo essa possibilidade. Olha a noção de escala aí, né? Você vai estar falando de mulheres que não tem o ensino fundamental completo, portanto não tem acesso aqui, e não tendo acesso ao IFPA, você não tem acesso às políticas internas do IFPA que podem oferecer um recurso para auxílio permanência, uma bolsa possível, o lanche, que minimamente é garantido, meia passagem. Ou seja, o projeto surge exatamente disso. Surge de a gente questionar o que é o IFPA como instituição pública, questionar ele como essa baixa diversidade humana interna, e entender que os muros aparentemente finos e baixos não são finos e baixos, são um mundo de labirintos que impede certos segmentos de entrar no IFPA. Ao mesmo tempo, entender quais são as condições de existência dessas mulheres. Porque a gente quando estuda, na Geografia, o trabalho, a gente estuda normalmente o trabalho matutino, e a gente pensar como essa experiência do trabalhador, nesse caso da trabalhadora noturna, sem condição nenhuma de existência do ponto de vista das garantias trabalhistas é assustadora. A gente tá falando de mulheres que morrem muito cedo, uma travesti no Brasil tem uma expectativa de vida média em torno de 37, 38 anos no Brasil, a média brasileira é 74, 75, então é quase metade do que nós vamos viver em média, se nada de terrível acontecer no caminho e, no entanto, não há geografia sobre isso. Essa aqui é a questão. Você pode levantar os trabalhos históricos e atuais sobre geografia no Pará e não tem nenhum debate sobre isso. O Beco da Luz tem muito esse sentido, é a Belém Noturna, é uma outra cartografia, é uma outra cidade e quem vive do trabalho sexual também vive uma relação de trabalho completamente diferente e ao mesmo tempo vive situações de risco e de violência. Então foi muito isso, unir a fragilidade do IFPA como instituição não diversa a um modo que o IFPA tenta costurar. Isso tudo, de alguma maneira, encaminhou o projeto.


JD: O projeto é de pesquisa e extensão. O que isso significa na prática? Como o projeto vai além da pesquisa e se conecta com a comunidade?

Prof. Wallace: O projeto em si é de pesquisa, mas ele abre um projeto de extensão que a gente está construindo. Então, a Cidade no Beco da Luz é um projeto de pesquisa que tem como prerrogativa a construção de uma metodologia que a gente está chamando de metodologia da montação. A montação também tem a ver com a experiência travesti e drag, de você performar um você mesmo de uma outra maneira quando você sai no mundo. Então, a gente está tentando organizar uma metodologia de montação também. As travestis que estão no projeto, no momento são duas, mas a gente está abrindo esse leque, elas contribuem metodologicamente para o processo. Elas participam das reuniões, vivenciam os processos, o que a gente propõe para elas a gente aplica em nós também, um exercício de uma certa ética do trabalho, você entender que o outro não pode ser teu objeto. Abriu-se um projeto de extensão junto a isso. A gente percebeu, a partir da demanda das travestis, que a imensa maioria delas não terminou nem o ensino fundamental. Então, a gente está agora num projeto que ainda não está oficialmente criado, porque a gente está tentando financiamento antes, mas ele já está em curso no sentido de uma turma de travestis que a gente vai abrir para elas terminarem o ensino fundamental e fazer junto um curso técnico curto. Então são 20 meninas, a gente está com uma parceria com a Marinor Brito, com o GRETTA, que é um grupo importante que reúne pessoas LGBTs, trans e travestis aqui em Belém, liderado pela Bárbara Pastana, tem parceria também com o Nicolas Ravi, que está trabalhando com a Marinor nessa área específica, e a gente está tentando um diálogo com a Câmara de Deputados para ver se eles nos auxiliam nesse projeto, em termos de bolsa mesmo. Porque como vai ser uma aula noturna, as jovens trabalham a noite, então a gente precisaria pelo menos de um aporte, de uma bolsa, para que elas tivessem uma tranquilidade para se dedicarem a estudar, senão a gente não consegue terminar a turma, no sentido de que elas vão precisar sair para trabalhar e tal. Então esse é o caminho. Terminando o fundamental abrimos uma turma especial de médio e técnico. O que está no gargalo no momento é o financiamento da bolsa. E a IFPA consegue entrar com a estrutura, com os professores, com o lanche e com a infraestrutura geral, mas ele não está, neste momento, dado o contingenciamento de verba federal, a gente não consegue financiar essas bolsas. Seria algo como uma bolsa de 400 reais para cada uma por mês, por 6 meses de preparatório. E aí isso daria fôlego para elas estudarem sem ter que todo dia, ou pelo menos, sem terem que ir para a rua sempre. Porque a aula seria possivelmente de segunda à quinta-feira. Então, esse é o projeto que a gente está tentando desenvolver.


JD: Há outras pessoas envolvidas na construção deste projeto? Se sim, como essa interação se deu e qual a contribuição de cada um para o resultado final?

Prof. Wallace: Há sim outras pessoas envolvidas. Do ponto de vista da pesquisa, temos uma pesquisadora envolvida diretamente, que é a Rosilene Cordeiro, ela é arte-educadora, professora da Seduc e da Prefeitura, ela é do teatro, sobretudo da performance, e trabalha com corpografia, sobre memórias do corpo. No projeto, diretamente, a gente também tem uma travesti que, de fato, dá o tom da coisa para a gente encaminhar, que é a Jéssica Marajoara. Embora ela não tenha uma formação oficial, titular, mas ela tem toda a vivência da rua, da prostituição, e ela é nosso ponto de conexão com as outras meninas, nesse caso, e ao mesmo tempo ela está dentro do projeto sugerindo mudanças metodológicas, como realizar, o que é interessante, o que não é e tal. Além dela, a gente tem três estudantes de iniciação à pesquisa, voluntários, o Arthur Alexandre, o Arthur Castro e o Nicolas Quintero. São três estudantes que estão com a gente. Ah, e o companheiro de um dos Arthur's decidiu embarcar porque ficou muito interessado pelo projeto, ele é artista também, ele é fotógrafo. E a fotografia é seminal pra gente, já estava previsto no projeto, só que a gente não tinha um profissional, mas a fotografia já estava prevista. Porque a ideia é, ao final do projeto, a gente lançar um livro que seja científico e artístico, ao mesmo tempo, do processo todo .Eventualmente, nós temos a parceria com as outras travestis, com a Leona, a Bárbara Pastana está próxima, dialogando com a gente, e outras que estão, aos poucos, mergulhando no projeto conosco. Mas o núcleo mesmo é esse que eu falei para vocês anteriormente.


JD: O projeto fala em cartografar o corpo travesti. O que significa cartografar nesse contexto e por que o foco e o corpo travesti?

Prof. Wallace: Parece que a Geografia faz isso há muito tempo, mas a Geografia faz só de um jeito há muito tempo. Aliás, faz de muitos jeitos, na realidade, mas tem um padrão. Quando a gente pensa em cartografia, pensa em mapa, a gente já pensa que é olhar a coisa de cima. E isso se chama truque de Apolo por uma razão. O deus Apolo era aquele que abria o dia com sol na carruagem dele sobre a Terra. Então, em tese, o olhar dele era esse olhar de cima e de longe. E isso é próprio também de um deus. A gente está falando de um homem, um deus que olha tudo de cima e de longe. Tem esse aspecto do poder, do domínio da cartografia sobre o mundo já é discutido na geografia há bastante tempo, porque, de fato, a gente estuda que a cartografia é uma representação da realidade. Mas não é bem assim. As  representações não existem lá e a realidade aqui, elas se misturam. As representações compõem a realidade também. A cartografia, então, nunca se perguntou sobre essa posição masculina. E é por isso que a gente fala  hoje de cartografia corporal. Porque, primeiro, é começar a entender que cartografar é um ato político, e que ele não está desencarnado. Por isso que é cartografia corporal. Não é tanto porque vai ser sobre o corpo do travesti. É mais porque a gente não assume uma posição deífica de olhar de cima e de longe as coisas. É por isso que ela é uma cartografia corporal. Porque ela entende que é necessário pensar de dentro da situação. E, portanto, talvez o olhar cartográfico mude a perspectiva também. Mas eu estou dizendo que a gente não quer, primeiro, não tematizar o ser sexual da cartografia, que não é tematizado, que é escondido atrás de uma neutralidade da cartografia. Segundo, não olhar de cima e de longe. Não quer dizer que a gente não vai  fazer mapas, por exemplo, de distribuição, da prostituição, não é tanto isso. Mas é como a gente pode variar esse olhar, por exemplo. 


JD: Diante dos desafios e perigos que a comunidade travesti enfrenta, quais são as maiores dificuldades que o projeto prevê encontrar e como planeja superá-las?

Prof. Wallace: Há muitas dificuldades. Eu não vou falar nem da financeira, que seria a primeira. A gente não tem financiamento. Então é muito na cara e na coragem e muito querer fazer. A gente não tem nenhum financiamento. Então, esse seria o primeiro. Uma das principais dificuldades é a gente conseguir estruturar uma dinâmica de tempo em torno do tempo das meninas, porque elas têm tempos muito diferentes dos nossos. O próprio IF funciona dessa maneira, vocês sabem que ele funciona muito mais de manhã e à tarde, e a área administrativa quase não funciona à noite. Então, essa é uma dificuldade que a gente tem tentado contornar. Não é tão simples, mas é uma dificuldade. Uma outra coisa é a questão desse cuidado ético para com as travestis que a gente não consegue contornar com facilidade. As travestis me relatam essa coisa dos olhares, quando elas entram aqui no IFPA. A Jéssica foi barrada inicialmente uma vez, agora a gente tem que fazer uma autorização toda vez que ela entra e tal. Esse é um segundo aspecto difícil de contornar, porque a gente foge ao nosso controle, a ponto de, por exemplo, a gente já ter repensado em mudar um pouco o projeto por conta do impacto emocional para as travestis. É importante dizer que a gente tem tido uma ótima acolhida aqui na DEX, no NEGED, que é onde funciona, está ligado à Diretoria de Extensão, com a professora Rita Vasconcelos, então, é preciso destacar isso, e eu realmente gostaria que vocês destacassem isso, porque eu não sei se vocês sabem, eu não tinha local aqui no IFPA, local mesmo. Se vocês olharem, cada computador no IFPA tem a minha senha, porque onde tinha um computador eu colocava a minha senha e trabalhava. E a professora Rita disse, olha, a gente não tem uma sala só pra ti, mas a gente pode te acolher aqui com o núcleo de tecnologia assistiva, que é a sala aqui que a gente divide com tecnologia assistiva, e vocês podem trabalhar aí, e estamos trabalhando aqui agora. Então assim, a gente já tem uma base, aquela ideia do lugar, né? Precisa de um lugar pra constituir. Mas isso gera uma resolução de questão, pra essa fragilidade estrutural da coisa, de como lidar. E um outro aspecto que eu acho que é importante é a questão de uma certa validação científica disso,, como a Geografia lida com isso. Do ponto de vista institucional, a grande parte dos professores apoia o trabalho e tem sido solícito para com o trabalho. Por que eu estou falando que isso é uma dificuldade? Porque não tem tanto a ver com a falta de grana, embora se relacione. Eu acho que se eu estivesse falando, por exemplo, de energia solar, talvez eu conseguisse algum financiamento. Entende? Mas como a gente está falando de um grupo que, entre os excluídos de orientação sexual, são os mais excluídos, porque dentro do movimento LGBT, a gente também tem uma ordem hierárquica, porque ela está dentro de uma estrutura social também. No mais, eu acho que só tem coisas... são dificuldades contornadas. Como eu disse, a grana, não é que a grana seja incontornável, mas a gente está fazendo o triplo trabalho para poder suprir a falta de grana nesse caso.


JD: Qual a mensagem principal que o projeto “A cidade no beco da luz’’ espera transmitir para a sociedade belenense e para o público em geral?

Prof. Wallace: Bom, eu ainda não sei dizer qual é a mensagem principal. O projeto está em processo. O que eu posso dizer é que a gente tem alguns anseios. Eu poderia dizer que a gente tem três utopias básicas. Uma delas é carnalizar a cartografia como prática científica, no sentido de que essa cartografia precisa enfrentar esse ser sexual que ela sempre empoderou e que nunca se sentiu questionado, que é esse olhar masculino sobre o espaço. O segundo aspecto é entender que as pessoas que compõem os projetos de pesquisa e de extensão não são meramente informantes ou depoentes, que eles são pensantes, sentem, sofrem, riem e que, portanto, têm muito a contribuir com a sua experiência de vida e que, portanto, eles também são co-autores do projeto. Vai sair um artigo meu em co-autoria com a Jéssica Marajoara, por exemplo. Ela não escreveu a parte conceitual e tudo mais, mas se não fosse ela e as vivências, esse artigo não teria saído. Então, ela é minha depoente? Ela é minha informante? Não, ela é co-autora. E aí colocar isso no lugar que é. Ela é co-autora do projeto. E aí vocês dizem, mas pra que serve isso? Talvez não sirva pra muita coisa. Talvez não vá mudar nada, mas eu penso que isso reconhece um lugar de mérito de ordem científica para uma pessoa que está fora da academia, mas é um ser pensante, com muita experiência, com saberes, é um ser ensinante, entende? Esse é o segundo aspecto, segunda utopia, digamos assim. E a terceira utopia é que a gente transforme o IFPA num laboratório, num grande laboratório da experiência da diferença, mais do que da diversidade. Porque a diversidade você pode já ter aqui dentro, uma certa baixa diversidade. Mas a diferença no que se refere a esses corpos que não transitam com facilidade, que são expulsos e barrados, que são olhados, reparem como os nossos olhares, eles compõem essas linhas de pressão. Acho que a terceira utopia é fazer do IFPA um laboratório da diferença, da convivência na diferença. Tem uma autora geógrafa que eu gosto muito, já falecida, a Doreen Massey, que tem um conceito que eu acho que vale a pena resgatar, ela propõe para a gente que o lugar é o espaço da coexistência dos múltiplos. De que você, inevitavelmente, no lugar, vai esbarrar com múltiplos. Eu diria mais do que múltiplos, como diz ela, mas com os diferentes. Acho que esse é um ponto, se eu posso corrigir um pouco a Massey. Lugar da coexistência dos diferentes. Porque você pode ter múltiplos sem muita diferença, no final das contas. você vai numa Assembleia Paraense da vida, você vai encontrar múltiplos, mas todos mais ou menos classe média alta, mais ou menos brancos, mais ou menos bem alimentados, mais ou menos jogadores de tênis, nada contra o tênis, hahaha, mas um tipo de esporte que é definido como esporte que é da elite, isso é uma distinção simbólica, ou seja, vai encontrar baixíssima diversidade ainda que tenha múltiplos. Então, corrigindo um pouco a Massey, eu diria que esse projeto pretende ser um anúncio do IFPA como laboratório da experiência na diferença.  Enfim, tudo isso talvez nos anuncie o quanto que a gente precisa sentir mais do que saber. De que não basta só saber, que eu acho que sentir, no sentido de experimentar junto, não quer dizer que você tem que viver essa experiência, mas estar próximo das pessoas, reconhecê-las, fazer parte delas o círculo da tua amizade, que seja uma pessoa que vai na sua casa tomar um café com você e almoçar com você um dia. Conviver com essa diferença, nos possibilita, talvez, pensar criativamente em outros mundos possíveis. Acho que essa é a grande utopia, no final das contas. 


JD: Nós, membros da equipe do Projeto de Extensão Jornal Digital, gostaríamos de expressar nosso agradecimento genuíno pela oportunidade de entrevistá-lo.

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